Intervenção militar e federal, o que são?

Intervenção Militar e Federal, o que são?

 

O processo eleitoral traz novamente em discussão, principalmente nas redes sociais, questões como “intervenção militar”, ou “intervenção federal”. Mas afinal, as forças armadas podem intervir nos poderes constituídos?

A nossa Constituição de 1988 nos informa em seu art 142, que as Forças armadas, constituídas pela Marinha, Exército e Aeronáutica, “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Vamos falar um pouco de cada uma das hipóteses.

A Defesa da pátria, consiste na prática de atos defensivos contra agressão sofrida por uma organização estrangeira ou Estado, com o objetivo de manter a integridade da nação brasileira. “Essa missão constitucional está orientada para a proteção do território, da segurança nacional e da soberania do Estado, empregando como estratégias básicas os princípios da dissuasão e da presença”.[1] Ou seja, o Brasil, por meio das Forças Armadas, poderá empregar todo poderio militar necessário afim de repelir eventual agressão armada.

Na segunda hipótese, Garantia dos poderes constitucionais, significa que as Forças Armadas estão incumbidas de proteger os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), tanto no âmbito interno como externo. Dessa forma, não cabe às Forças Armadas intervir em quaisquer dos poderes, uma vez que a Constituição não lhe conferiu essa prerrogativa. Nem mesmo no “estado de sítio” ou no “estado de defesa” é aplicável alguma intervenção. Pelo contrário, as Forças Armadas promovem a garantia da atuação dos poderes ora constituídos.

Na última hipótese, Forças Armadas devem promover a garantia da lei e da ordem, que é regulada, entre outros, pela Lei Complementar nº 97 de 9 de junho de 1999, pelo Decreto nº 3.897 de 24 de agosto de 2001 e pela Portaria Normativa nº 3.461 do Ministério da Defesa, de 19 de dezembro de 2013. Mas o que é “garantia da lei e da ordem”? “Uma operação militar conduzida pelas Forças Armadas, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, que tem por objetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio em situações de esgotamento dos instrumentos para isso previstos no artigo 144 da Constituição ou em outras em que se presuma ser possível a perturbação da ordem. (…) Consideram-se esgotados estes instrumentos quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular da missão constitucional” [2]

Novamente as Forças Armadas têm o dever de proteger, podendo ser solicitada por quaisquer dos poderes constitucionais, por meio dos presidentes do STF, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados, conforme art 15, §1º, LC nº 97/1999. Mais uma vez, esse tipo de intervenção é realizada em benefício dos poderes da República, e não contra os mesmos.

A Constituição Federal de 1988 não confere poder moderador às Forças Armadas, tampouco poder de fiscalização. Ademais, se a intervenção das Forças Armadas contra os demais poderes provier de ato emanado pelo chefe do Poder Executivo Federal, o presidente da República incorrerá em crime de responsabilidade por atentar contra “o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação”, sujeitando-se à pena de perda do cargo, com inabilitação por oito anos para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis (artigo 85, II c/c 52, parágrafo único, CF de 1988).

O ministro aposentado do STF Celso de Mello arremata: aquele que “admite a mera possibilidade de intervenção militar nos poderes do Estado, como o Judiciário e o Legislativo, é um profanador dos signos legitimadores do Estado democrático de Direito e conspurcador dos valores que informam o espírito da República!” [3]

 

Intervenção Federal

 

Em regra, a União não pode intervir nos Estados, uma vez que o Brasil é uma Federação. No entanto, a Constituição de 1988 previu hipóteses de intervenção federal com o objetivo de preservar questões de extrema importância. A intervenção federal está prevista na Constituição entre os artigos 34 e 36. É um procedimento que visa passar a União o controle de determinadas situações consideradas graves.

A intervenção federal cuida, da defesa do Estado, dos princípios federativos, das finanças estaduais e da própria ordem constitucional, vejamos:

Defesa do Estado: visa manter a integridade nacional (art. 34, inciso I) e repelir invasão estrangeira (art. 34, inciso II);

Cuidar dos princípios federativos: procura evitar a invasão de uma unidade da Federação em outra (art. 34, inciso II), pôr termo a grave comprometimento da ordem pública (art. 34, inciso III) e garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação (art. 34, inciso IV);

Pôr ordem às finanças estaduais: por meio da intervenção, é possível reorganizar as finanças da unidade da Federação (art. 34, inciso V):

  1. a) que suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior; ou
  2. b) que deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;

Proteger a própria ordem constitucional: nas hipóteses de: prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial (art. 34, inciso VI); assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

  1. a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
  2. b) direitos da pessoa humana;
  3. c) autonomia municipal;
  4. d) prestação de contas da Administração Pública, direta e indireta;
  5. e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e nos serviços públicos de saúde (art. 34, inciso VII, alíneas “a” a “e”).

Importante salientar que, conforme a jurisprudência pátria, o rol é taxativo, não cabendo interpretação subjetiva. Celso de Mello afirma:

“O mecanismo de intervenção constitui instrumento essencial à viabilização do próprio sistema federativo, e, não obstante o caráter excepcional de sua utilização – necessariamente limitada às hipóteses taxativamente definidas na Carta Política – mostra-se impregnado de múltiplas funções de ordem político-jurídica, destinadas (a) a tornar efetiva a intangibilidade do vínculo federativo; (b) a fazer respeitar a integridade territorial das unidades federadas; (c) a promover a unidade do Estado Federal e (d) a preservar a incolumidade dos princípios fundamentais proclamados pela Constituição da República. (STF – Intervenção Federal nº 591-9/BA – Rel. Ministro Presidente Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 16 set. 1998, p.42).” [4]

Sendo assim, não há no ordenamento jurídico brasileiro, instituto que confira poderes ao Chefe do Executivo Federal ou às Forças Armadas para destituir os poderes constituídos.

 

 

 

 

 

 

 

[1] SILVA, Fernando Carlos Santos da. Aspectos legais do emprego do exército na defesa da pátria. 30 jun, 2006. Revista Âmbito Jurídico. Acesso em 02-11-2022. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/aspectos-legais-do-emprego-do-exercito-na-defesa-da-patria/.

[2] MD. Ministério da Defesa. Garantia da Lei e da Ordem. Portaria Normativa nº 3.461 de 19 de dezembro de 2013. P. 14 e 18. Acesso em 02-11-2022. Disponível em: https://www.gov.br/defesa/pt-br/arquivos/File/doutrinamilitar/listadepublicacoesEMD/md33a_ma_10a_gloa_1a_ed2013.pdf.

[3] CONJURConsultor JurídicoArtigo 142 não legitima intervenção militar em qualquer dos Poderes, diz Celso. Publicado: 17 de agosto de 2021. Acesso em 02-11-2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-ago-17/artigo-142-nao-legitima-intervencao-militar-qualquer-poderes.

[4] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. 7.ed.São Paulo: Atlas,2007.p.745.